A criação de caprinos foi, nas últimas décadas, alvo de forte investimento no semiárido nordestino. E isso se deu para além de fatores econômicos: há um forte viés regionalista que orienta desde eventos turísticos e gastronômicos a feiras de agropecuária em várias cidades da região, e que legitima a pecuária de caprinos como autêntico símbolo “sertanejo”. Este artigo analisa as condições de produção dessa crença relacionando-as à forma como frações de elites pecuaristas do Nordeste firmaram uma ideia de convivência com as secas. Ao mapear esse campo de disputas utilizo como fontes manuais de zootecnia, revistas das associações e entidades representativas de grandes pecuaristas nordestinas (edições de 1980-2013). Este artigo conclui que a legitimidade para o atual status valorizado da caprinocultura no semiárido parte de dois movimentos de frações da elite pecuarista. De um lado, desqualificando a percepção e as lógicas de reciprocidade – da “miunça e criação” – dos caprinos para os pobres, do outro, aproximando a percepção e exaltação regional da caprinocultura com a imagem de uma “vocação rural” brasileira, argumento do ruralismo de setores do agronegócio nacional.
Over the past decades, caprinoculture (goat raising) has been the target of public and private investment in the Brazilian Northeast. And this has occurred for reasons that go beyond economic factors: there is a strong regionalist bias of tourist and gastronomic events in various cities in the region that legitimizes caprinoculture as an authentic symbol of the “backlands” (sertão). The article analyzes the social conditions of this belief and relates them to the way in which segments of livestock raising elites from the Northeast grounded an idea of living with the droughts. To map this field of disputes the author uses such sources as zootechnical manuals, magazines of associations and entities representing large northeastern ranchers (1980-2013 editions). The article concludes that the legitimacy for the current valued status of goat farming in the semi-arid zone arose from two movements of segments of the livestock raising elite. On the one hand, disqualifying the perception and the logics of reciprocity – called “miunça”– of goats for the poor. On the other, bringing the perception of goat farming closer to the image of a Brazilian “rural vocation”, as an argument of segments of the national agribusiness sector.