Este artigo questiona a ideia corrente de que a eleição e o governo de Jair Bolsonaro são expressão e causa da crise da democracia brasileira. A despeito de ampliar as desigualdades e de seu autoritarismo, o fenômeno deve ser visto como um contramovimento ao que foi chamado de desdemocratização. Mais do que uma reação aos avanços de treze anos de governos progressistas, a potência do bolsonarismo é também resultado da alternativa que ele simboliza a um sistema impermeável à participação popular. Por meio da análise de seu discurso e de sua prática, marcadas pela responsividade da representação e pela participação ativa de sua base, argumenta-se que ele revigora, de maneira contraditória, elementos de soberania popular ausentes da política pós-democrática. Assim, Bolsonaro se distingue de atores concorrentes, dedicados a restaurar o consenso e as instituições liberais, ambos na origem da crise contemporânea.